UNIDADES PRISIONAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Apenas cinco unidades prisionais no estado do Rio de Janeiro são destinadas ao atendimento exclusivo de mulheres, três delas integram o Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio (Penitenciária Talavera Bruce, Cadeia Pública Joaquim Ferreira de Souza e Presídio Nelson Hungria), uma está localizada no bairro de Benfica, na Zona Norte (Instituto Penal Oscar Stevenson) e a única unidade fora da capital fica no município de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense (Presídio Nilza da Silva Santos).
A UMI (Unidade Materno Infantil) é um espaço destinado ao abrigo de presas parturientes. A unidade é um espaço de convivência sem grades na qual as mães podem ficar com seus filhos até os seis meses de idade, como garantido na lei, podendo ter esse prazo estendido até que o bebê complete um ano. A UMI funciona como um anexo da Penitenciária Talavera Bruce, unidade para onde são encaminhadas as gestantes, mas possui uma direção independente do presídio.
Aline Pancieri, advogada, mestra em Direitos Humanos, Sociedade e Arte pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e pesquisadora do Laboratório de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LADIH/UFRJ), explica os direitos das gestantes presas e a UMI (Unidade Materno Infantil).
O fato de a grande maioria das penitenciárias femininas se concentrarem na capital do estado dificulta a visita, já que as unidades abrigam presas oriundas de todas as regiões do estado do Rio de Janeiro. O acesso ao Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste, é complicado por conta da escassa oferta de mobilidade urbana para essa região e pela distância e o isolamento em relação a outras áreas da cidade.
Marta* cumpriu pena nas unidades Nelson Hungria e no Talavera Bruce no Complexo de Gericinó, e conta que sua mãe gostaria de visitá-la toda semana, “mas eu falei que ia ficar puxado, que ela não ia agüentar. E foi o que aconteceu mesmo, ela passou a ir de quinze em quinze dias, conforme eu tinha dito”.
Existem dois momentos do dia onde os portões são abertos para que as presas possam sair das celas e dispor dos recursos e atendimentos oferecidos na unidade prisional. “São duas horas na manhã e duas horas na parte da tarde”, conta Marta. Segundo ela, entre esses recursos está a enfermaria, que possui atendimento ginecológico onde é feito o exame preventivo e onde ocorre a distribuição de medicamentos, “muitas mulheres tomam medicamento controlado e nesse mesmo horário que abre, podem ir lá na enfermaria”. E há ainda nesse mesmo período o funcionamento da escola e da igreja. A defensoria também faz atendimento nas unidades em classificação de ordem alfabética por semana e requer a retirada de senha.
“Abriu 9h, fecha 11h. Então o horário da igreja é de 9h às 11h, a enfermaria é de 9h às 11h, a escola é de 9h às 11h. Tudo funciona assim nesse horário, porque depois vem o horário do almoço e tem o confere. Fora esses horários, a pessoa pode até ir para algum outro tipo de atendimento, mas aí é com senha”, relata.
Em relação à assistência médica, Marta comenta que há um ginecologista que realiza o exame preventivo, mas que em caso de urgência não há uma equipe médica à disposição e é necessário aguardar a equipe do SOE-GSE (Serviço de Operações Especiais – Grupamento de Serviços de Escolta) para que a presa enferma seja levada ao hospital. “Eles não tem médico lá (na enfermaria), às vezes ta só a enfermeira. A enfermeira não pode medicar, ela pode dar um comprimido para dor de cabeça, mas se a pessoa tiver alguma coisa que precise tomar um antibiótico é só com a médica. E às vezes é difícil conseguir vaga pra todo mundo. Tem dentista, mas eu mesma nunca consegui ir no dentista lá, botei meu nome, mas nunca consegui”, afirma.
No Presídio Talavera Bruce, o almoço é feito com auxílio das internas. A comida é preparada na instituição e distribuída para outras unidades prisionais do Complexo Penitenciário. Segundo Marta, existe um cozinheiro que vem de fora e as presas ajudam lavando as panelas e preparando os alimentos. Na unidade funciona também uma padaria que dispõe de postos de trabalho para as internas. A faxina também é função das próprias detentas, elas são responsáveis pela limpeza geral do presídio. “Não tem trabalho pra todas, é pra uma minoria. Trabalho pra todas não tem”, ressalta a entrevistada.
A lei garante que a cada três dias trabalhados, a presa condenada tenha direito à um dia de remição da pena. Para além de espantar o ócio, os postos de trabalho nas unidades prisionais são importantes para a obtenção do benefício da remição e para o aprendizado de um ofício profissional. Perguntada sobre a disponibilidade de cursos profissionalizantes, Marta responde que inexistem, mas que as internas acabam aprendendo alguma coisa quando trabalham na padaria, por exemplo. Ela comenta que há uma escola de nível fundamental, mas que não desperta interesse das presas e que “não adianta só implementar o curso, tem que fazer elas verem que vale a pena fazer o curso, que vale a pena ter uma profissão, que vale a pena elas terem um trabalho, usufruírem das coisas que elas têm com o suor delas. É isso que eu to falando, entendeu? Conscientizar as internas, mas eu falo isso sobre o que grupo que não quer, o grupo que quer tem que ter. Elas querem, tem que ter, mas não tem trabalho pra todo mundo. Às vezes, a mulher vai presa e quem tem filho pequeno aqui fora passando necessidade pode trabalhar e mandar o dinheiro pra família”.
Para Marta, o suprimento de itens de higiene pessoal pela unidade é precário, “quem não tem família pra visitar (e levar) passa necessidade”, além de considerar a qualidade dos absorventes fornecidos muito ruim.
Assim como muitas mães em situação de prisão, ela optou por não receber a visita dos filhos. Não quis fazer a carteira de visitação com medo de prejudicá-los no futuro por conta de boatos que ouviu e por considerar constrangedor para as crianças. Ela mantinha contato com os filhos através de cartas, e em eventos especiais, como o Dia das Mães, onde a direção liberava a entrada sem a necessidade do registro da carteira de visitação.
ROTINA
ROTINA
VISITA ÍNTIMA
Marta enfatiza a necessidade de criar postos de trabalhos nas prisões através de parcerias com empresas para empregar presas e ex-presidiárias como forma de oferecer uma alternativa à vida no crime e uma possibilidade de reerguer a vida. Acredita que essas oportunidades possam ser oferecidas a partir de políticas públicas que beneficiem as empresas que empregam essas pessoas, mas sem a condição de terem que se submeter a baixos salários em situação de exploração. Ela conta que não chegava a receber nem um salário mínimo enquanto trabalhou no presídio e que essa remuneração poderia ser utilizada pelos presos para sustentarem suas famílias enquanto estão na prisão.
Para a entrevistada, o estigma de ex-presidiária desperta medo nas pessoas. Ela assume que antes de ser presa também tinha esse receio, mas que sua vivência no cárcere a destituiu desse preconceito ao ver que as presas, em sua maioria, não correspondiam ao estereótipo de “bandidão, que faz e acontece”. Ela confirma, “posso te falar, que é a minoria”.
Em relação à busca por emprego e sua condição como egressa do sistema prisional, confessa:
“Eu não arrumei trabalho. Eu tava trabalhando por conta própria, mas eu to fazendo um curso. To me dedicando para ano que vem eu me inserir no mercado de trabalho. Vou fazer cinco anos fora pra você ver como que é complicado. Então a minha situação é complicada porque eu ainda assino condicional, então eu não quero chegar no trabalho (e falar) “ah, olha, sou ex-presidiária, assino condicional, então de três em três meses eu tenho que ir lá assinar”, quem vai querer me empregar? Ninguém. Eu to esperando que esse ano acaba (a condicional) pra poder me inserir no mercado de trabalho, que eu nem sei como é. Se consta, se não consta (a ficha criminal). Se depois que eu der baixa, (o empregador) vai ver ou não vai. Mas eu vou nessa, entendeu?”.
(*) nome fictício para resguardar a identidade da entrevistada
Dados do relatório "Mulheres, meninas e privação de liberdade no Rio de Janeiro" (2016), do MEPCT-RJ
A VIDA PÓS-PRISÃO
A visita íntima (ou parlatório) é o direito a um encontro reservado em local específico dentro da unidade prisional no qual a presa pode ter relações sexuais com seu companheiro / sua companheira. A visita é garantida através de portarias e resoluções. Apesar de ser entendida como benefício, a visita íntima é um direito que as mulheres não possuíam até 2001, dez anos após ter sido reconhecido aos homens. Por não ter uma lei em caráter de obrigação que deva assegurar o direito à visita íntima, a sua existência fica condicionada ao critério da direção das unidades prisionais e à disposição de um espaço físico reservado para que possa acontecer a visita.
No Rio de Janeiro, é necessário que o visitante faça um cadastramento através da SEAP (Secretaria de Administração Penitenciária). Em 2011, o estado regulamentou através de uma resolução a visita íntima a casais homoafetivos.
Renata Lira explica as adversidades encontradas pelas mulheres para desfrutarem de seu direito à visita íntima.